Parlamento capturado
O aumento salarial pleiteado pelos deputados federais é exemplo de um fenômeno que se agrava no Brasil: a captura de estruturas do Estado por interesses privados. No caso, trata-se da captura das instituições políticas pelos interesses particulares dos políticos.
A conseqüência imediata da captura de uma estrutura de Estado é o desvirtuamento de suas funções. Ela deixa de servir ao interesse coletivo e passa a atender às demandas do grupo que a capturou.
Os deputados querem fazer crer que a discussão sobre seus estipêndios deveria ficar circunscrita aos salários. Argumentam que estes precisariam sofrer reajuste para repor perdas devidas à inflação.
Visto assim, parece razoável. O salário de chegada, de cerca de R$ 16 mil, seria decerto alto para os padrões brasileiros, mas não excessivamente.
Muito pior é, por exemplo, a situação dos ministros, que recebem uma miséria incompatível com suas funções.
Não seria descabido que um ministro recebesse por volta de R$ 40 mil por mês. Também o presidente da República precisaria ser remunerado condizentemente com suas responsabilidades -digamos, R$ 100 mil por mês.
Na verdade, R$ 100 mil mensais é o que custa ao erário cada deputado federal antes do aumento que se discute. A estimativa, feita pelo site Contas Abertas, agrega todas as despesas incorridas pelos deputados, como auxílio-transporte, auxílio-moradia, ressarcimento de despesas realizadas nos Estados de origem, contratação de "assessores" e assim por diante.
Para fazer uma idéia do que isso significa, vale a pena comparar com o que acontece na Grã-Bretanha. Lá, cada membro do Parlamento custa à Coroa um total de 168 mil libras por ano, ou pouco mais de R$ 700 mil. Isso inclui a totalidade das despesas diretas por parlamentar, dos auxílios aos assessores.
A saber, um deputado federal brasileiro já custa ao contribuinte cerca de 80% a mais do que sua contrapartida britânica. Observe-se que o custo de vida britânico é muito maior do que o brasileiro e que a renda per capita do país é mais de 3,5 vezes superior à brasileira. E isso sem mencionar a relação custo/benefício.
Por exemplo, por aqui inventaram de tornar oficial a cabulação em Brasília às segundas-feiras -o que se junta à folga das sextas para resultar numa jornada de trabalho que vai da terça a meados da tarde de quinta.
A proposta de aumento salarial dos deputados faria sentido se acompanhada da eliminação de despesas incorridas por eles. Caso eles estivessem dispostos a cortar algo por volta de 70% do que gastam, então se poderia tomar o aumento salarial a sério.
Os nossos próceres poderiam abrir mão de seus "assessores de gabinete" -por volta de 15 por parlamentar e pagos por nós. Tais indivíduos, apresentados como essenciais para o cumprimento das funções dos deputados, na verdade não passam de cabos eleitorais. A maioria dos "assessores" nem sequer é lotada em Brasília, permanecendo na "base".
Escapa à compreensão o motivo pelo qual devem os contribuintes arcar com isso, ainda mais considerando que o suporte parlamentar propriamente dito é prestado pela assessoria permanente da Câmara, formada por profissionais concursados.
Também é candidata óbvia à extirpação a "verba indenizatória", que na Câmara é de R$ 15 mil por mês. O dinheiro é usado para pagar despesas do escritório (na prática, comitê eleitoral) do sujeito em seu Estado.
O "pacote" de benesses que a Câmara pretende estender aos seus integrantes inclui a desobrigação de justificar cerca de um terço desse montante. Não é difícil imaginar qual será o destino desse dinheiro.
Além de uma liberalidade financeira descabida, os parlamentares brasileiros gozam de excesso de liberdade na forma como conduzem seus mandatos. Por exemplo, a ausência de regras relativas a conflitos de interesse permite que deputados ligados e/ou financiados por determinados setores econômicos componham comissões permanentes e temporárias que lidam com os exatos interesses daqueles setores.
Assim, donos de escolas privadas pontificam na comissão de educação, "agribusinessmen", na de agricultura, os financiados por grandes empreiteiras integram comissões que tratam de mudanças na lei de licitações e por aí vai. A saber, muitos deputados agem como agentes da captura de comissões por interesses privados. Capturadas pelos interesses privados de seus integrantes, não é de espantar que levantamentos de opinião feitos no Brasil sempre situem as instituições parlamentares entre as menos confiáveis.